O sítio

Enchia os pulmões como se pudesse respirar o mesmo ar de alguns anos atrás.
O sítio sempre foi o lugar preferido do pequeno João Pedro. Hoje, aos vinte anos, não tão pequeno assim.
Formara-se em Medicina Veterinária na cidade grande, onde passou a viver desde a adolescência.
Voltar àquele lugar era como ver um filme onde o personagem principal era a mesma pessoa que via no espelho embaçado do apartamento.
O pé de amora, carregado da doce e púrpura fruta, tinha mudado. Parecia estar bem menor, observou João ao chegar perto da árvore.
Sentiu falta da goiabeira que ficava próximo a horta. Ela havia morrido no verão passado, atacada por uma praga que levou o caseiro a cortá-la pelo tronco. Em compensação, conheceu novas árvores que cresceram ao longo dos anos em que não pisava naquele lugar.
O lago ainda era o mesmo, mas, ao contrário da amoreira, parecia estar bem maior. O rapaz lembrou-se dos tempos em que seu pai o ensinava a nadar ali. Os olhos encheram-se de lágrimas.
O pai era um homem muito ocupado com os negócios: comprar gado, vender terra, plantar, colher, enfim, a vida de um grande produtor era bastante agitada. O pouco tempo que tinha ao lado do pai era desfrutado a conta-gotas, sem pressa.
Foi inevitável misturar as lágrimas às águas do lago. O pai havia falecido há poucos meses. O sítio lhe tinha ficado como herança e estava decidido a vendê-lo, já que cuidar de bicho na cidade grande seria o seu destino de agora em diante.
Antes de vender, veio a ideia de voltar ao lugar onde passara sua infância. Só estava ali para avaliar melhor o valor que cobraria pela terra que herdara.
A cidade grande, sem dúvida, era mais atraente, convencia-se João Pedro. A agitação que conhecera ao longo dos anos, na metrópole, parecia ter apagado da memória a tranquilidade que sentia ao deitar-se na varanda, ao entardecer, ouvindo o som das águas do lago.
Não queria lembrar-se de quando alimentava os patos e galinhas, nem do dia em que caiu do pé de tamarindo ao tentar colher um fruto. Era impossível não lembrar, a frondosa árvore continuava de pé e estava ali à sua frente naquele exato momento.
Sem olhar para trás, João decide voltar para a cidade.
A cor cinza da metrópole ofusca-lhe os olhos. O ar pesado das ruas sufoca-lhe os pulmões. Os dias seguintes à visita ao sítio deram-lhe uma sensação estranha: um menino parecia gritar dentro dele. Pedrinho, como era chamado pelos pais, queria correr e foi justamente o que fez.
Correu para o apartamento, arrumou as malas e, sem exitar, partiu para o sítio.
Nem olhou pelo retrovisor. A cidade sumiu sem que ele percebesse.
Em algumas horas de viagem estava de volta à infância.
Descalço, correu para o lago; mergulhou; comeu amoras e adormeceu na varanda. Descobriu, então, o maior valor que o sítio tinha: torná-lo, novamente, o pequeno João.


(Texto publicado na edição do mês de junho do jornal Balaio Rural, de Imperatriz-MA)

2 comentários:

Bié! disse...

. . . e se alguém um dia me perguntar, sobre sensibilidade, saudosismo . . . eu não saberia responder diferente se não lhe enviar o link deste post,. É tão doce e direto, é como abraçar o que todos fomos um dia, e acreditar que retornar' é algo tão importante sempre. S2''

ahmed disse...

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