Série: "Trabalho de Ética e Jornalismo" (2)

Interesse público ou interesse do público? Sob a perspectiva do filme "A Montanha dos Sete Abutres"

"Tentamos ter o dom da ubiquidade através da alteridade, pois a ilusão da onipresença é construída pelas informações produzidas pelo outro." (Felipe Pena)
Nos dias de hoje, os meios de comunicação cumprem um papel essencial na vida de qualquer ser humano e se tornam cada vez mais indispensáveis em nossa sociedade ‘pós-moderna’, principalmente, porque as tecnologias da’ nova era global’, nos permite saber de tudo o que acontece ao redor do mundo em ‘tempo real’.
O jornalismo, em especial, tem grande relevância para a formação/informação dessa sociedade e seus recortes da realidade dos fatos servirão como base para a formação da ‘opinião do público’. Nas mãos do jornalista está a responsabilidade de dizer o que é relevante ou não, o que deve ou não deve ser publicado, o que interessa ou não interessa ao público.
Diante disso, o jornalista deve ter claro em sua mente o que é de interesse público e o que é de interesse do público. Em primeiro lugar, deve-se perguntar se o fato a ser divulgado tem alguma relevância, se ele afeta diretamente a sociedade enquanto cidadã. Só então, deve-se pensar se o acontecimento pode ou não ser ‘comprado’ mais facilmente pelo espectador. Mas, a lógica mercadológica da notícia coloca essa ordem invertida. Em primeiro lugar pensa-se na vendagem que a notícia terá do que se, de fato, ela é relevante para a sociedade.
O problema não está no fato de que a notícia, de alguns tempos pra cá, tem se tornado uma mercadoria. Aliás, esse fato não é recente, vem desde o século XIX. Mas, o jornalista deve, na divulgação de um fato ou na tentativa de um furo, usar a ética profissional com a mesma intensidade que o mesmo usa na busca pela ‘objetividade’.
O questionamento sobre interesse público e interesse do público é abordado, com inteligência, bom humor e maestria no filme “A montanha dos sete abutres”, dirigido por Billy Wilder. O drama foi lançado em 1951 e trata, de forma caricata, a imprensa americana da época. O filme nos trás questionamentos de grande relevância para se pensar a respeito da ética jornalista e sobre a construção da realidade por estes.
Em resumo, o filme conta a história do repórter Charles Tatum que já havia sido demitido de 11 jornais, cada um por um motivo diferente. Ele, então, pede emprego ao Sr. Jacob Q. Boot, dono do jornal de Albuquerque, no Novo México, com a promessa de ser o melhor repórter que o jornal já tivera. Ele consegue o emprego. A cidade é pacata e não há, desde muito tempo, nenhum acontecimento notório ou catastrófico que pudesse ganhar destaque na capa do pequeno jornal ou gerar uma matéria merecedora do “Pulitzer”. Só há notícias banais, corriqueiras, nenhuma “notícia boa”, de verdade, por isso, Charles se sente totalmente entediado e sem motivação, então recebe ordem para cobrir uma corrida de cascavéis. Aparentemente seria outra matéria sem o menor atrativo, mas no meio do caminho pára pra abastecer o carro e Tatum acaba descobrindo que Leo Minosa, proprietário do posto de gasolina, ficou preso em uma mina quando procurava por "relíquias indígenas". O repórter sente que esta reportagem pode ser a chance que ele esperava para voltar à grande imprensa, mas para isto precisa controlar a ‘notícia’ fazendo-a render alguns capítulos. Charles não pensa nas consequências disso e defende-se dizendo que não faz as coisas acontecerem, “apenas as escrevo”.
Como se fosse um escritor de ficção, o repórter molda o fato como bem entende. “Sensacionaliza-o”, cria personagens, desperta o interesse do público e em alguns dias, a montanha torna-se a principal atração do Novo México. Literalmente, as pessoas se divertem enquanto Leo sofre preso na mina. Um parque de diversões é montado em frente à montanha, o espetáculo da vida real está em cartaz e as sessões estão cada vez mais lotadas. Pessoas de diversos lugares se locomovem para ver o drama de Leo. O trem que transportava os passageiros daquela região tem uma parada em frente à mina, para que todos tenham acesso ao local do espetáculo.
Ora, e não é assim também em nossa sociedade? O prédio onde fica o apartamento dos pais de Isabella Nardoni não seria um dos novos cartões-postais de São Paulo?
A sociedade envolve-se de tal maneira nos dramas jornalísticos, em especial os que aparecem como se fossem seriado, nos telejornais, que acaba se reconhecendo neles e comove-se como se os personagens desses dramas fizessem parte de sua própria família. É nessa comoção e sensibilização com a história de anônimos como Eloá, por exemplo, que as pessoas passam a transferir para suas vidas sentimentos que eram inerentes apenas aos que faziam parte da realidade dos personagens dessas notícias. Assim, milhares e milhares de pessoas choram a morte de Eloás e Isabellas, revoltam-se contra Suzanes e querem, a qualquer custo, o linchamento do vilão da vez.
Os casos de cobertura jornalística que tiveram grande repercussão ultimamente (citados acima) são, também, casos que envolvem grande interesse público, afinal de contas, deve-se combater, veementemente, o assassinato de crianças, jovens (a namorada) ou adultos (os próprios pais), não importando a motivação, deve-se respeitar o ‘direito à vida’. O problema é que muitas vezes a seleção desses ‘personagens’ pode gerar mais simpatia com público e ao invés da abordagem jornalística focar o que é relevante para a sociedade enquanto cidadã, ressalta-se apenas o que for de maior interesse do público.
Quantas crianças antes, durante e depois de Isabella foram mortas pelos pais (principais suspeitos, até agora)? Quantos crimes passionais aconteceram e acontecem, diariamente, em todo o Brasil, assim como aconteceu à Eloá? Quantos jovens assassinaram ou premeditaram a morte de seus pais de maneira fria, da mesma forma que Suzane Von Richthof fez? Vários! A todo o momento há tragédias acontecendo em todos os lugares do país.
As redações de todos os jornais estão cheias de ‘boas notícias’ para dar, bons personagens para conhecer e boas estórias para contar. Resta ao jornalista saber qual o melhor mocinho e qual o pior bandido a escolher. Para o ‘bom’ jornalista, qualquer personagem é válido desde que sua estória seja, realmente, merecedora de “virar notícia”.

1 comentários:

Anônimo disse...

AMigo
mudei o nome do meu blog denovo.
agora definitivamente é

uerllecosta.blogspot.com

abração.