Sob a perspectiva do filme "Jenipapo"
Definir ética é uma tarefa um tanto quanto complicada, complexa. A palavra tem sua origem no grego, éthos, e pode significar, simultaneamente, costume e propriedade do caráter. Entende-se por ética, também, um conjunto de regras, princípios ou maneiras de agir que estão de acordo com o que é aceito pela sociedade como moralmente bom, belo, justo. Mas, o problema é que não há uma definição distinta, do que seja bom ou ruim, belo ou feio, justo ou injusto.
No jornalismo, como em outras profissões, existe o seu próprio código de ética. Nele, estão contidas as regras que regem toda conduta desejável do “bom profissional”. O código de ética também funciona, de certa forma, como um escudo protetor para o jornalista. Se ele for devidamente usado, o profissional, dificilmente, sofrerá alguma retaliação pública e pode livrar-se de processos judiciais indesejáveis, por exemplo.
O 4º artigo do Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, diz que “o compromisso fundamental do jornalista é com a verdade no relato dos fatos, deve pautar seu trabalho na precisa apuração dos acontecimentos e na sua correta divulgação” e o 6º artigo inciso VI diz que é dever do jornalista “ não colocar em risco a integridade das fontes e dos profissionais com quem trabalha”. Ora, se analisarmos ‘eticamente’ o filme Jenipapo, veremos que o repórter americano Michael Coleman violou esses artigos, visto que o Código de Ética dos Jornalistas brasileiro está em vigor desde 1987.
Em resumo, “Jenipapo”, é um filme nacional, de 1996 que retrata a estória de um jornalista (Michael Coleman) que tenta, a qualquer custo, entrevistar um padre ativista e carismático, Stephen Louis, que apóia a luta pela reforma agrária em uma comunidade do Nordeste. O jornalista americano tem como fonte ‘primária’, sua namorada. Ela é secretária do senador Emílio Mattar e consegue, muitas vezes, informações preciosas para que o seu amado consiga entrevistar o tal padre, mas de nada adianta. Mesmo que o Congresso esteja votando uma lei conservadora contra a reforma agrária, o padre Stephen, que sempre se pronunciara a favor da reforma, mantém-se no silêncio e decide não conceder nenhuma entrevista que exponha o seu apoio. Stephen Louis era um padre, até então, bem relacionado com a ‘mídia’, mas essa decisão de manter-se em silêncio provoca ainda mais agitação nas redações dos jornais, que tentam, desesperadamente dar um ‘furo’, uma entrevista ‘exclusiva’. Michael Coleman, que há tempos ‘pesquisa’ a vida do padre, decide abandonar a ética jornalista e mente, em primeiro lugar, para o seu editor, dizendo que conseguiu a, tão esperada, entrevista. Pode-se dizer que o jornalista ‘conhecia’ o padre muito bem, pois, por muitas vezes, via entrevistas de Stephen e reparava, detalhadamente, na maneira como o padre falava. O repórter, então, forja uma entrevista com o padre, que é publicada como ‘verdade’. A entrevista tem grande repercussão nacional e, por causa dela, a lei não é aprovada no congresso.
O grande problema quando se publica uma mentira, é que ela pode ter resultados drásticos. No caso do filme, a morte do padre Stephen e, na vida real, resultados irreparáveis, como no famoso caso da Escola Base, onde duas mães registraram queixa contra os diretores da Escola de Educação Infantil Base, denunciando a ocorrência de abuso sexual a seus filhos, um menino e uma menina, ambos com quatro anos de idade. Mesmo sem provas, no primeiro dia de ‘investigação’, haviam declarações do delegado responsável pelo inquérito sobre os supostos abusos sexuais e a imprensa da época as ecoou em coro. A população queria ‘fazer justiça’ e, como retaliação, eles depredaram e saquearam a escola e a casa dos donos também, além do linchamento moral destes. Em resumo, os proprietários da escola foram inocentados por falta de provas, mas a imprensa não se retratou formalmente pelos erros cometidos, com exceção da Folha de S. Paulo que lançou uma série de palestras e editorias sobre o erro.
Um famoso caso a respeito do tema ‘ética no jornalismo’ foi a falsa entrevista de um suposto integrante do PCC apresentada no Programa Domingo Legal, de Gugu Liberato, em 2003. Segundo a justiça, Gugu violou, simultaneamente, os artigos 2º e 16º da Lei de Imprensa. O artigo 2º condena a apologia ao crime, ou seja, a veiculação de imagens e mensagens de criminosos. Já o artigo 16º trata da publicação de notícias falsas, fatos irreais. Por isso, Gugu poderia ter sido processado judicialmente duas vezes e, se condenado, levaria de três meses a um ano de prisão ou ao pagamento de multa de 20 salários mínimos, mas, o apresentador não foi indiciado.
O professor de Teoria da Comunicação, André Rittes, declarou, na época, que acreditava que, apesar do escândalo em âmbito nacional, o episódio logo seria esquecido. Em entrevista publicada no site www.online.unisanta.br em 2003, o professor declarou que “o Gugu é uma figura que está acima dessas coisas. Os telespectadores estão tão acostumados com seu programa, que não se importam muito com o que ele faz. Além disso, a memória das pessoas é muito superficial”. Realmente, foi o que aconteceu. Independentemente de o caso estar relacionado a uma ‘celebridade’ ou não, a lei de Imprensa deveria ser válida, mas, assim como em outras leis no Brasil, essa não poderia ser diferente.
Enfim, o debate sobre a ética no jornalismo torna-se extremamente necessário já que hoje em dia a imprensa, mais do que em qualquer época, esta sendo pautada pelas informações vazadas e pelas declarações em off. As redações dos jornais estão abarrotadas de informações que visam denegrir a imagem de alguém, beneficiar grupos políticos, religiosos ou quem quer que seja. Informações que são publicadas baseadas em declarações, sem que com isso, os jornalistas procurem verificar a veracidade delas.
Não se pode (ou se deve) fazer um jornalismo baseado no denuncismo, na fé de que “às vezes, Deus nos usa sem o nosso conhecimento”, na ‘lógica mercadológica da noticia’, na pressão do deadline, que obriga o jornalismo a deixar a apuração dos fatos para segundo plano. Pois o jornalismo de qualidade não deve ser feito de informações vazadas ou de declarações, mas sim, na apuração exaustiva dos fatos. Embora entre o “dever ser” e o “ser” haja uma diferença gritante.
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