O coração de Ferro

Nasceu para amar e, desde muito cedo, soube disso.
Podia até não saber o que era amor, mas amava.
Passou a infância despreocupando-se em viver, apenas vivia e sabia que era assim mesmo que devia ser. Brincava, sonhava, dormia.
Crescia.
Preocupava-se em viver. Não vivia.
Amava? Sim, mas, 'conscientemente', não sabia o que era amor.
Sabia ser amado. Queria ser e era, embora não enxergasse um palmo à frente do seu nariz ou de sua dor. Mesmo assim era amado: com dor.
O pai o amava. A mãe não precisava amar: era o amor personificado. Os irmão, da forma deles, o amavam. Mas ele mesmo só enxergava dor.
Cresceu com problemas de visão, apesar de enxergar perfeitamente.
Diante dos olhos sem fé, via os problemas gigantes, pois os aproximava muito dos olhos. Esquecia, ou não sabia ver, como eles realmente eram. A proximidade dos olhos o impediram de enxergar a vida pelos cantos, de onde apenas escorriam lágrimas, embaçando ainda mais a visão.
Por muito tempo não viu. Mas era visto.
Coração amável de Ferro. Um mole coração por detrás da ironia do apelido.
Um coração ferido, enganoso. Coração humano.
Amado por Deus e pelos que o cercavam. Aluno exemplar, amigo-irmão, tio palhaço, divertido... feliz!
Não era isso que via no espelho. Não havia sido curado da miopia: enxergava nitidamente de perto, mas tão próximo estavam apenas 'os problemas'. De longe, tudo estava fora do foco, inclusive Deus.
Via Deus de longe, por isso quase não O enxergava, embora Ele estivesse mais perto que sua própria pele.
Perdeu-se muitas vezes pelo caminho, pois não via por onde andava.
Sofreu. Mas, ainda assim, era visto.
Um certo dia também viu.
Ou pelo menos começou a ver. As coisas foram entrando no foco. Deus não estava tão distante. Ele não tinha tantos problemas assim, não era pior que os outros, era humano tal qual seu 'paistor', que errava, mas confiava em um Deus que não quer 'perfeição', quer um coração contrito, pois não resiste a um assim.
O coração de Ferro via.
E como começou a ver, não quis confiar em si próprio, pois sabia que "enganoso é o coração do homem".
Quis guardá-lo, pois aprendeu que a fonte da vida jorra do coração.
E, finalmente, percebeu que queria ser puro em meio a qualquer circunstância, pois leu um dia que "felizes as pessoas que têm o coração puro, pois elas verão a Deus".
Enfim, assim é o coração de Ferro: ironicamente, não é duro. É de carne!

5 comentários:

Willian disse...

Parabéns, belo texto meu caro amigo. Me fez lembrar de uma frase:

"Mas tenho medo do que é novo e tenho medo de viver o que não entendo - quero sempre ter a garantia de pelo menos estar pensando que entendo, não sei me entregar à desorientação."

Clarice Lispector

Unknown disse...

Muito obrigado, meu caro! Fico muito feliz em tê-lo como leitor.
Um grande abraço!

Anônimo disse...

Muito lindo !
existem muitos 'corações de ferro' mas nem todos 'aprendem' a enxergar.Parabéns pelo blog. Beijos

Ângela Barros disse...

Parabéns Ferrito, lindo texto.Que os "corações de ferro" possam reconhecer que são de carne. Bjs.

Anônimo disse...

Até, então... não estava me sentindo muito bem, a mente longe, sem durmir, uma confusão de sentimentos, confusão de sensações e não dei muita importância para o que estava escrito aqui...
...até que despertei a vontade de conhecer "O coração de Ferro".

"Não era isso que via no espelho. Não havia sido curado da miopia: enxergava nitidamente de perto, mas tão próximo estavam apenas 'os problemas'. De longe, tudo estava fora do foco, inclusive Deus.
Via Deus de longe, por isso quase não O enxergava, embora Ele estivesse mais perto que sua própria pele.
Perdeu-se muitas vezes pelo caminho, pois não via por onde andava.
Sofreu. Mas, ainda assim, era visto.
Um certo dia também viu.
Ou pelo menos começou a ver."

O texto é sensacional, parabéns por cada frase escrita que faz com o leitor reflita.


Penso que me perdi no espelho... e até que consigo ver, só que não admito isso, então tanto faz... Deus está tão perto de mim, só que estou longe dele, muito longe mesmo... mas, aprendi que decepção não mata, ensina a viver e a cada dia me sinto mais forte, pois sofri e me perdi muitas vezes pelo caminho sem ter a consciência de qual estrada eu deveria seguir. Consigo ver... só que não admitir é o meu erro. Talvez, nem seja erro porque o que é errado pra mim, talvez... talvez não seja errado pra você, assim como o certo.

Assinado: "gosto muito de te ver... caminhando sob o sol... gosto muito de você." :)